Qualificação Microbiológica Desempenho em Esterilização por EtO: Uma Análise Comparativa dos Métodos previstos na ABNT NBR ISO 11135:2018
- Luiz Henrique
- 7 de out.
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1. Introdução
A esterilização por Óxido de Etileno (EtO) é um processo amplamente utilizado para garantir a segurança de inúmeros produtos para a saúde, especialmente aquelas sensíveis ao calor.
Contudo, a eficácia deste processo não é presumida; ela deve ser rigorosamente demonstrada através de um processo de validação completo e racional. Conforme estabelecido pela ABNT NBR ISO 11135:2018, a validação é um procedimento documentado que estabelece, com um alto grau de confiança, que o processo entregará consistentemente produtos que atendam a especificações pré-determinadas.
Um dos pilares da validação é a qualificação de desempenho microbiológica (QDM), que demonstra que os requisitos especificados para a esterilidade são atendidos. A norma apresenta diferentes abordagens para realizar esta qualificação. A escolha do método mais adequado não é trivial e impacta diretamente a eficiência do processo, os custos de validação, a velocidade de lançamento do produto no mercado e, crucialmente, a segurança e integridade do produto final.
Este documento oferece uma análise comparativa dos principais métodos microbiológicos descritos na ABNT NBR ISO 11135:2018, com o objetivo de auxiliar os profissionais da indústria a tomar decisões estratégicas e bem-informadas.
2. O Objetivo Final da Esterilização: Nível de Garantia de Esterilidade (SAL)
Antes de comparar os métodos, é essencial recordar o objetivo comum a todos eles: demonstrar que o processo atinge o Nível de Garantia de Esterilidade (SAL, do inglês Sterility Assurance Level) predefinido. O SAL é a probabilidade de um único microrganismo viável ocorrer em um item após a esterilização. Para produtos para a saúde, o valor quantitativo típico é de 10-6, que significa uma probabilidade de um em um milhão de um item não ser estéril.
Os métodos a seguir são caminhos diferentes para se chegar à mesma comprovação de SAL.
3. Análise dos Métodos Microbiológicos
A ABNT NBR ISO 11135:2018 descreve duas abordagens principais, detalhadas em seus anexos normativos: a Abordagem de Overkill (descrita no Anexo B) e a Abordagem do Indicador Biológico/Carga Microbiana (descrita no Anexo A).
3.1. Abordagem Overkill – Anexo B
Esta abordagem é a mais tradicional e conservadora. Ela se baseia na inativação de um Indicador Biológico (IB) de alta população (tipicamente esporos) e resistência conhecida ao EtO. A premissa é que um processo capaz de eliminar esse desafio microbiológico massivo será, por consequência, mais do que suficiente para eliminar a carga microbiana (bioburden) natural do produto, que é tipicamente menor e menos resistente. Dentro desta abordagem, destacam-se duas estratégias principais:
Método do Meio-Ciclo: Consiste em executar um ciclo com metade do tempo de exposição ao EtO e demonstrar a inativação total dos IBs. O ciclo de rotina é, então, definido com no mínimo o dobro desse tempo.
Método do Cálculo do Ciclo: Utiliza ciclos fracionados para determinar o tempo necessário para atingir uma Redução Logarítmica de Esporos (RLE) de, no mínimo, 12 para o IB.
Recomendável em situações em que o portfólio de produtos é muito diversificado ou para processos em que a natureza do bioburden é variável e de difícil controle.
3.2. Abordagem do Indicador Biológico/Carga Microbiana (IB/Bioburden) – Anexo A
Esta abordagem é mais precisa e otimizada. Ela combina o conhecimento da resistência do IB com o conhecimento da população e da resistência da carga microbiana real do produto. O objetivo é estabelecer um ciclo de esterilização que seja comprovadamente letal para o bioburden do produto, sem a necessidade da margem de segurança excessiva do método Overkill. Este método requer que o bioburden seja relativamente consistente ao longo do tempo. Para determinar a taxa de letalidade do processo (cálculo do Valor D), este anexo prevê os seguintes métodos:
Curva de Sobrevivência (Contagem Direta): Envolve a exposição de IBs a múltiplos ciclos fracionados com tempos de exposição crescentes. Após cada exposição, os sobreviventes são quantificados em laboratório (enumeração) para traçar uma curva de inativação e calcular o Valor D (tempo necessário para reduzir a população em 90%) de forma precisa.
Abordagem da Fração Negativa: Em vez de contar os sobreviventes, este método utiliza múltiplos IBs expostos a ciclos fracionados e verifica apenas se houve crescimento ou não (resultado positivo/negativo). Fórmulas estatísticas são então aplicadas para estimar o Valor D. Os dois cálculos mais comuns são:
Stumbo-Murphy-Cochran (SMC): Um método mais simples e rápido de executar.
Holcomb-Spearman-Karber (HSK): Um método estatisticamente mais consistente e preciso.
Recomendável para fabricantes com processos produtivos bem controlados, bioburden caracterizado e estável, e que buscam otimizar os ciclos de esterilização para reduzir custos, tempo de processamento e níveis de resíduos em produtos sensíveis.

4. Conclusão
A seleção do método de qualificação microbiológica não deve ser baseada apenas na complexidade ou no custo, mas sim em uma análise estratégica que considere a natureza do produto, o controle sobre os processos de fabricação, os requisitos regulatórios e os objetivos de negócio.
A abordagem Overkill oferece um caminho seguro para a conformidade, sendo uma excelente escolha para cenários de alta variabilidade. Por outro lado, a abordagem do IB/Bioburden, seja pela Curva de Sobrevivência ou pela Fração Negativa, abre a porta para a otimização de processos, resultando em ciclos mais eficientes, menor impacto sobre o produto e, a longo prazo, redução de custos operacionais.
A decisão correta exige uma análise aprofundada do perfil de risco e dos objetivos de cada empresa.
A Carraro Consultoria possui equipe técnica para suportar as empresas a navegar por essa decisão crítica, garantindo que seu processo de validação de esterilização por EtO seja não apenas conforme, mas também eficiente e perfeitamente alinhado à sua estratégia de negócio.




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